Em resposta ao grave derramamento de substâncias tóxicas que atingiu o Rio Suruí, em Magé (RJ), no último mês, uma caminhada inter-religiosa pela justiça climática reuniu moradores, pescadores e ativistas neste domingo (27). Liderado pelo GreenFaith Brasil, o ato simbólico cobrou ações concretas para recuperar o rio e proteger a subsistência das comunidades locais, marcando uma união entre fé e justiça climática.
O acidente, ocorrido em 1º de outubro, envolveu a colisão entre dois caminhões, que transportavam milhares de litros de gasolina, diesel e emulsão asfáltica, e foram derramados no Rio Suruí. Impactando uma grande extensão da Área de Proteção Ambiental (APA) Suruí, que foi criada pelo decreto Nº2300/2007, com objetivo de proteger os remanescentes florestais de Mata Atlântica e os mananciais de Suruí, Iriri, Inhomirim e outros rios da região. Tendo esse desastre comprometido a população local e toda a biodiversidade presente do Rio Suruí e proximidades, ameaçando a subsistência das comunidades que dependem da pesca local.
Impactos na população local
Desde o acidente os pescadores e pescadoras da Associação de Caranguejeiros e Amigos dos Mangues de Magé (ACAMM) e Associação de Homens e Mulheres do Mar (AHOMAR) têm se manifestado publicamente, cobrando uma ação efetiva do poder público, uma vez que o acidente coincidiu com o período do defeso do caranguejo, período em que não se pode realizar a cata pois a espécie está em fase de reprodução e os pescadores recebem um auxílio do INSS.
Além da perda econômica, o vazamento trouxe impactos diretos à saúde da comunidade local. Dona Solange, moradora de Suruí, relata ter sofrido com sensação de sufocamento, devido a dificuldade para respirar, bem como ardência no nariz, que progrediu para uma ferida. Enquanto a pescadora Márcia Santos contou ter tido sangramento nasal. O que demonstra sintomas de intoxicação por inalação devido ao forte odor das substâncias contaminantes, como o benzeno, presente na gasolina que segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) “está entre os dez maiores problemas químicos para a saúde pública global”, podendo causar efeitos agudos e crônicos à saúde, como: irritação das mucosas oculares e respiratória; tontura; cefaleia (dor de cabeça); tremores; convulsões; sangramentos; e nos piores casos, morte. Vê-se, então, que esse acidente pode ter provocado alterações neurológicas e imunológicas na comunidade impactada, tendo estas não tido nenhum tipo de atendimento especializado ou indenização por tal afetação.
Esse contexto agrava ainda mais a situação de vulnerabilidade socioambiental que a população mageense já vive, estando essa cidade na “periferia da periferia”. Segundo dados da Casa Fluminense, 66% das moradias em Magé estão localizadas em áreas de alto risco de inundação, equivalente a 73 mil domicílios da cidade. Nesse contexto, quando ocorrem os eventos climáticos extremos, essa população que é prejudicada pela indústria do petróleo e gás durante a produção é, também, uma das mais impactadas pelas consequências que a queima desses combustíveis fósseis causam no clima do planeta.
Riscos ambientais em Magé
O desastre ambiental reacendeu os debates sobre a vulnerabilidade de Magé aos impactos industriais, decorrentes do petróleo e gás na Baía de Guanabara e seus afluentes. Em 18 de janeiro de 2000 o Rio Suruí já havia sofrido com o derramamento de aproximadamente 1300m³ de óleo combustível marinho (MF380) de um duto da REDUC, sendo considerado o manguezal mais degradado por esse crime ambiental, na região, por estudos ambientais feitos na época.
Posteriormente, em 2018, o município de Magé sofreu outro vazamento, dentro da Área de Proteção Ambiental Rio Estrela, poluindo o rio e prejudicando sua comunidade de pescadores e moradores, evidenciando como a indústria do petróleo opera nessa região, socializando as perdas, enquanto privatiza os lucros. E, ainda, mais recentemente, em abril de 2024, ocorreu o vazamento de tolueno que contaminou diversos rios, incluindo a bacia do Rio Guapiaçu, no município de Guapimirim, que faz divisa com Magé, acarretando em falta de água para milhões de pessoas em diversas cidades do estado do Rio de Janeiro, além de ter causado uma enorme mortandade de peixes, afetando a pesca na região.
Com esse histórico de atuação desterritorializante, por parte da indústria do petróleo, o GreenFaith Brasil se juntou às organizações locais (ACAMM, AHOMAR e Instituto Mirindiba de Ação Climática Popular) para lutar contra o acidente do Rio Suruí, não apenas como um caso isolado, mas como mais uma consequência desse modelo energético que cresce com base na destruição dos ecossistemas e modos de vida das populações que deles dependem, seja de forma direta ou indireta.
O derramamento de óleo no Rio Suruí demonstra a necessidade de um olhar mais sistêmico para os danos ambientais decorrentes da indústria do petróleo na Baía de Guanabara, que vem se acumulando por décadas. Os ecossistemas locais e as comunidades dessa região não tem tido a possibilidade de se regenerar das degradações causadas pelos crimes ambientais passados, pois sempre passam por novos desastres que impactam essa biodiversidade. Esse processo de desenvolvimento, com base na destruição ecossistêmica, gera consequências nas dimensões da soberania alimentar, lazer, turismo e formas de se relacionar com a natureza, como mostra o estudo de mestrado realizado em 2022 por Carla Lubanco, pesquisadora e moradora de Suruí.
Fé pela Justiça Climática
A Caminhada Inter-religiosa por Justiça Climática no Rio Suruí foi, então, um ato de união entre diversas crenças, na construção de uma narrativa que possibilita um outro olhar para essa região. Esse movimento inter-religioso não é isolado, mas parte de um esforço global, a campanha “Fé pela Justiça Climática”. No Brasil, o GreenFaith tem atuado no fortalecimento das comunidades tradicionais de pesca e da manutenção da biodiversidade como possibilidades de crescimento econômico e social dessa região, em detrimento da diminuição da exploração petrolífera, que vem apenas gerando lucros para as empresas, deixando as comunidades cada vez mais socialmente vulneráveis no contexto da Emergência Climática.
É nesse contexto local que a relação entre a fé e o meio ambiente torna-se ainda mais urgente diante da emergência climática e dos desastres ambientais, como o ocorrido no Rio Suruí. Para muitas pessoas de fé, a natureza é uma criação sagrada, e cuidar dela é um ato espiritual e ético que transcende as doutrinas. Em tempos de crise, são essas comunidades de fé que muitas vezes abrem suas portas para acolher e amparar os mais afetados, oferecendo apoio e um espaço de dignidade em meio à devastação.
Assim, a justiça climática ganha força ao ser incorporada pelos movimentos religiosos, que defendem uma relação harmônica e respeitosa com a natureza. Esse compromisso espiritual destaca a importância de proteger o meio ambiente como parte da responsabilidade humana perante o sagrado, especialmente para as populações locais cujas vidas e culturas estão intrinsecamente ligadas ao ambiente ao seu redor. A união de vozes de diversas crenças pelo GreenFaith Brasil busca transformar essa relação, instigando o compromisso de todos com a preservação da vida e do planeta.
Por meio da fé, o GreenFaith Brasil conclama todos que acreditam ser possível (re)construir nossa relação com a natureza por meio do sagrado, defendendo a proteção dos ecossistemas e enfrentando a atuação predatória da indústria petrolífera na Baía de Guanabara, em seus rios e manguezais. Esta caminhada simboliza uma esperança de que, mesmo diante dos crimes ambientais e do descaso do poder público com o sofrimento das comunidades locais, ainda há aqueles que reconhecem o valor da biodiversidade e a interdependência humana com os ecossistemas. A luta por justiça climática é inseparável das lutas por justiça social, racial e de gênero, que tocam a vida de todos, inclusive das pessoas de fé, seja qual for sua crença.